terça-feira, 18 de agosto de 2015

Projeto Diálogos em Ação: O Coletivo Justiça Negra-Luiz Gama traz a discussão sobre o Sistema Jurídico e Raça no Brasil

Por Edson de Souza
Da esquerda para direita: Prof. Carlos Alberto Medeiros, Prof. Jorge da Silva, Dr. Bruno Candido e Dra. Giovana Mariano
Foi uma noite daquelas que usamos para guardar na memória e relembrar sempre que a caminhada ficar mais dura. Na terça-feira, 21 de julho, a CAARJ (Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro) sediou a primeira mesa, de uma série de DIÁLOGOS, um evento organizado pelo Coletivo Justiça Negra-Luiz Gama, que objetiva uma construção político/idealista intelectualizada da juventude negra, além de poder trazer para espaços acessíveis o debate sobre questões raciais visto do prisma de personalidades que militam neste campo já há um bom tempo.  Neste primeiro evento discutiu-se o racismo, segurança pública e ação afirmativa no Brasil e mais de 80 pessoas, entre jovens e adultos, participaram do evento.
A mesa estavam o ex-Secretário de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro e atual professor da UERJ Jorge da Silva, o ativista, intelectual e jornalista Carlos Alberto Medeiros, e a advogada e coordenadora do coletivo do curso preparatório para carreiras jurídicas, Giovana Mariano de Jesus. Bruno Cândido Alves, advogado e diretor-geral da JNLG, moderou a mesa.
O plenário da CAARJ estava lotado
 O evento foi aberto pelo doutor Renan Aguiar, representante da CAARJ, e logo após a vice-diretora do coletivo, doutora Jamile Sepol, introduziu o JNLG e seu trabalho, em suas palavras, descreveu a missão do coletivo: “O objetivo do nosso coletivo é promover o empoderamento econômico e intelectual da juventude negra em especial. A ação deste projeto, Diálogos, é contribuir para a emancipação intelectual de jovens negros e negras através de formação política com ênfase nas questões raciais”. Em seguida, Jamile Sepol fez a leitura do samba “100 Anos de liberdade, realidade ou ilusão” da Escola de Samba da Mangueiratraçando paralelos entre a abolição da escravatura em 1888 e a adoção da Constituição democrática de 1988. Após a abertura o doutor Bruno Cândido chamou a mesa a doutora Giovana Mariano e esta fez a primeira apresentação, palestra sobre o patrono do coletivo, o advogado abolicionista, Luiz Gama, que ao longo de uma vida de lutas, privações e dificuldades, trabalhou para libertar mais de 500 escravos.
 Giovana Mariano de Jesus em sua fala trabalhou a trajetória de Luiz Gama de forma que destacasse ao publico a urgente necessidade de mais negros nas posições de destaque social, em especial a área do direito, afim de implementarem as mudanças sociais necessárias para o povo negro, também deixou claro que "Os ativistas podem não ver a mudança para qual eles tão arduamente trabalham". Ao fim da palestra foi exibido o marcante ato final do filme Selma, Uma Luta por Igualdade, e como um clamor ao público presente encerrou: “Existe um solo, e esse solo foi semeado e nós hoje estamos coletando os frutos, mas ainda tem terra para ser semeada, e nós podemos lançar sementes. E alguns de nós iremos colher o fruto que nós cultivamos e outros não. Outras pessoas colherão, mas não deixem de semear”.

A seguir, assumiu a mesa Jorge da Silva! Muito bem humorado, deixou claro que o "planejamento de sua palestra já havia ido todo embora", elucidou que dado a peculiaridade do evento, seria muito melhor tornar a sua participação uma conversa do que um debate formal. Ele então abordou em boa parte de sua fala, assuntos referentes ao seu livro: 120 Anos de Abolição, cujo o foco é o debate sobre o racismo estrutural. Em sua fala, discorreu sobre a dificuldade enfrentada na publicação de seu livro e deixou claro a sua satisfação em estar falando para uma platéia majoritariamente jovem. Expressou seu contentamento com a proposta do coletivo em não estabelecer sobre uma linha de reclamação: “Uma coisa é o chamado racismo individual, sofrido por mim, por ele, por um judeu, por um índio, por uma mulher, por um homossexual. Outra coisa é a discriminação individual, que é importante também, mas nós devemos nos preocupar mais com o racismo institucional que é estrutural. Porque o racismo estrutural é quase impossível de se perceber”. De forma irônica e sarcástica, citou os numerosos escândalos de corrupção no Brasil frisando a persistência do racismo estrutural, uma vez que não se vê entre os envolvidos, presos e acusados - beneficiários do esquema - pessoas negras. Ao fim enfatizou:“Esta questão [do racismo] é uma questão política, esta questão não é jurídica. Porque as leis e a prática do sistema são construções humanas, são construções das pessoas que têm poder, e raramente tem pessoas negras nestes lugares para construir a lei e praticar a lei”



O professor Carlos Alberto Medeiros, foi o último palestrante a assumir a mesa. Carlos Alberto construiu sua fala sobre a diferença entre a lei e a prática, e comparou histórias sócio-raciais dos EUA  com o Brasil. Desmistificou o imaginário comum do brasileiro de querer se ver como uma "Democracia Racial" contrastando com o “paradigma da discriminação” que descreveu os EUA durante o século 20. Enquanto negros eram legalmente obrigados a abandonar os seus lugares de ônibus para os passageiros brancos pela lei Jim Crow no sul dos EUA, em grande parte do Brasil, esperava-se que os negros fizessem a mesma coisa, uma vez que “as leis são muitas vezes meramente costumes sancionados pelo Estado”. Carlos Alberto frisou que a ideia do Brasil como uma democracia racial serviu para preservar a própria forma de supremacia branca do Brasil. “Essa ideia foi extremamente prejudicial porque de uma certa forma constituiu o aval para a continuidade da prática da discriminação. É muito simples: se nós não temos discriminação racial, se um branco racista discrimina um negro ele não está cometendo discriminação racial porque isso não existe no Brasil. Desta forma, uma coisa que não existe não deve ser combatida”, com isso usou o exemplo de assassinatos cometidos pela polícia para frisar este ponto. Enquanto o movimento Black Lives Matter surgiu nos EUA para condenar os preconceitos raciais da polícia e estão exercendo pressão política a nível nacional, a mídia e os políticos brasileiros têm ignorado o que a Anistia Internacional, os grupos locais, e um recente inquérito do Congresso chamaram de um genocídio contra jovens negros brasileiros.
Ao fim do evento, os livros do professor Jorge da Silva foram sorteados entre os presentes que puderam constatar o sucesso deste primeiro DIÁLOGOS, que deixou a gostosa expectativa dos outros que virão!
 Todo evento foi gravado pela Cultne e estão disponíveis no canal do grupo no Youtube e no seu site que você acessa clicando no link CULTNE.com.br - Acervo Digital de Cultura Negra.
Agradecimentos a todos os presentes que abrilhantaram o evento e aos parceiros que repercutiram de forma positiva esta ação, as repórteres Stephanie Reist e Roseli Franco que escreveram matéria para o site Rio on Watch (http://rioonwatch.org.br/?p=15102), A Amanda Martins que escreveu matéria para o Geledés (http://www.geledes.org.br/dialogos-evento-de-enaltecimento-e-empoderamento-a-juventude-negra-realizado-pelo-coletivo-justica-negra-luiz-gama/)

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